Inversão de papeis

12/11/2013


Quando nada mais importa, descobrimos o valor que demos a cada coisa, o sentido exato daquela caixa de música ou daquela lembrança mais remota da infância, que estranhamente voltaram para assombrar a minha mente.
   Encarando as estrelas e planetas que brilhavam no teto do quarto escuro, percebi o quanto minha vida havia mudado. Mudado tão rápido, tão depressa como aparecia constantemente em minha coleção de filmes de ação e ficção científica em que dez anos passavam em um piscar de olhos ou talvez com uma rápida e vaga representação da vida do protagonista.  
   Tamborilei meus dedos no chão frio de madeira sentido com um leve roçar da poeira que repousava no assoalho, lembrando de quantas vezes eu repeti aquela ação quando era menor, quando o quarto, antigamente, era mobiliado e meu corpo estava deitado na cama ao lado do de minha mãe.
Ela sorria olhando para nosso universo enquanto segurava a minha mão e contávamos pela milésima vez quantas estrelas e planetas estavam grudadas á cima de nós. Só que dessa vez não havia mobília, cama e nem mãe. Lembro dela saindo sorrateiramente do quarto, após meu beijos na testa e falando carinhosamente “Bons sonhos princesa, tentarei não fazer barulho.” Suspirei profundamente ao me lembrar que nunca mais haveria uma mãe. 
   Esticando o meu braço e pegando minha câmera fotográfica, mirando e tirando uma foto do teto brilhante. Observei a foto tirada na tela e deixei minha mente voar mais alto do que havia voado antes.
Mergulhei inconscientemente naquela fotografia, de dezenas de estrelas florescentes, entrando em um universo paralelo o qual eu poderia fazer o que eu quisesse, poderia criar diversos cenários perfeitos naquele quarto e até mesmo uma nova vida para mim.
  Porém a minha imaginação fértil não me deixara animada. Nem mesmo chegou a causar algum sentimento de euforia específico.Ela  apenas criou um descontentamento e até mesmo um certo vazio. A minha criação era utópica, falsa. O vazio dela era que eu sentia em relação a ela era a concretização. Ela era a criação perfeita, a recriação individual e egoísta da sociedade socialista criada por Marx. Era linda, perfeita, pacífica e gloriosa, porém inatingível. Meu descontentamento discorria disso, eu nunca seria capaz de reviver quem eu amava. 
  Deixei meus olhos transbordarem e permiti as lágrimas salgadas de descerem um caminho desconhecido pela minha face. Elas não eram de dor, nem de mágoa ou angústia, elas eram advindas de uma palavra única do português. Saudade.
   Me contorci, os espasmos de um choro fervoroso tomando conta de mim. Os soluços tão altos que ecoavam pelo quarto. Mas meu choro era como uma tempestade em alto mar. Repentina, feroz e rápida. 
  Então, poucos instantes de ter começado havia chegado ao fim. Inspirei profundamente tentando acalmar a respiração acelerada. Balancei a cabeça sacudindo para fora do meu corpo a letargia. 
 Levantei o corpo e fiquei em pé lentamente. Olhei ao meu redor tirando a última imagem mental daquele lugar e me pus a retirar quebrando a inércia prolongada.
Com a mão na maçaneta não evitei de murmurar em voz baixa.
-Boa noite, mamãe, prometo não fazer barulho. 
Nana- Música do dia: Have faith in me-A Day to Remember,,

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